Queridos
leitores:
Segue abaixo
um texto bem criativo escrito pelo professor de História Glauco de Souza
Santos, do Instituto São José, que ilustra esse momento atual de manifestações
por um Brasil melhor, o texto traz, com grande discernimento, o que representa
esse 7 de setembro para nós, cidadãos brasileiros, sedentos por boa educação e
saúde para todos e por um país mais justo.
Apreciem sem
moderação o texto e reflita o seu papel como cidadão atuante na concretude de
um país melhor e mais justo.
Abraços,
Profa. Mestre Carolina Scavazza Baldochi
Abraços,
Profa. Mestre Carolina Scavazza Baldochi
DISCURSO – 7 de Setembro
Peço a paciência de vocês para contar
duas histórias, de duas pessoas diferentes, em duas épocas distantes por 191
anos, mas que se entrelaçam pelas coincidências e ironias da história.
***
Setembro de 1822. Maria Aparecida da
Silva era escrava alforriada. Bantu de nascença, devota de Nossa Senhora
Aparecida, veio, aos 10 anos, transportada por um fétido e apertado navio da
costa africana até os portos do Rio de Janeiro. Lá, foi vendida como escrava a
um rico fazendeiro, para quem trabalhou por longos 44 anos.
Suportava tudo com brandura de
espírito e força de sangue. A cada açoite que recebia pensava na liberdade que
buscava. Quituteira de mão cheia, aproveitava cada ida à cidade do Rio de Janeiro,
para vender seus doces e arrecadar alguns míseros trocados para comprar sua tão
sonhada carta de alforria.
Enfim, após 44 anos de serviços
prestados, Maria Aparecida entregava suas economias e recebia sua liberdade. Na
mesa do tabelião encerrava seu passado com seu, agora ex-dono, e selava seu
futuro: o de escrava liberta. Era 7 de setembro de 1822.
Junho de 2013. João Cleberson dos
Santos é motoboy. Nasceu em Diadema, torce para o Corinthians e trabalha desde
os seus 12 anos. Aos 17, mudou-se para São Paulo para trabalhar como office boy
de um escritório de contabilidade. Aos 18 comprou sua primeira moto e entrou
para o ramo de entregas rápidas (e perigosas).
“Trabalha como um camelo”, João
dizia. Acorda às 5h da manhã, coloca as crianças na garupa da moto, leva-as à
escola e segue para o trabalho. Corre a cidade, de cima a baixo, das
“quebradas” da Zona Leste até os “ricaços” do Jardins. Cheira à gasolina e
fumaça de escapamento.
O corpo cansado, a mente estressada,
os perigos iminentes à profissão eram recompensados com o sonho de juntar “uma
boa grana” para comprar uma casinha onde pudesse morar a esposa, os filhos, a
mãe e... a sogra. Toda semana fazia e refazia as contas da suada poupança.
Enfim, após longos 12 anos e mais de
500 mil quilômetros rodados, João Cleberson tinha o dinheiro para dar de
entrada em uma casa de 4 cômodos na Vila Brasilândia, em São Paulo. Na mesa do
corretor de imóveis encerravam suas amarguras de não ter uma casa própria e
vislumbrava um futuro promissor no seu novo endereço. Era 17 de junho de 2013.
***
Fazia alguns dias que Maria
Aparecida saíra da mesa do tabelião. Ainda com um sorriso largo no rosto e sua
liberdade nas mãos, percebia certa agitação na praça em frente ao Paço Real.
Havia tropas de militares de todas as cores e patentes, transeuntes curiosos e
alguns desavisados, como ela. Inquieta, questionou a um viajante que por ali
passava. Ao que tudo parecia, o príncipe regente, D. Pedro, havia declarado a
Independência do Brasil, separando-o definitivamente de Portugal.
Em um primeiro momento, o volume de
novas informações atordoou Maria Aparecida, que não esboçou reação nenhuma.
Mas, ao caminhar pelas vielas da cidade, pensava no que aquilo mudaria a sua
simples vida.
Talvez, sua liberdade recém-conquistada
pudesse, de certa forma, explicar a liberdade que o viajante afirmava ter o
Brasil recebido. Talvez, novos ventos soprassem neste torrão de terra, trazendo
novidades. Talvez, quem sabe, a escravidão que açoitava seus conterrâneos
terminasse de vez!
Por um momento, a escrava alforriada
parou, orou aos céus, respirou fundo e acreditou que novos sonhos poderiam ser
sonhados a partir daquele setembro de 1822.
João Cleberson saía da mesa do
corretor. As chaves nas mãos e um sorriso no rosto tornavam seu coração
palpitante de alegria, que mal cabia no peito. Logo percebeu que algo de
diferente estava acontecendo. Centenas de pessoas caminhavam pela avenida,
tremulando bandeiras, empunhando cartazes, com seus rostos pintados, alguns
usando máscaras e todos gritando palavras de ordem. Por trabalhar muito, João
estava fora da realidade daqueles dias.
Logo, parou e perguntou a um
manifestante o que era tudo aquilo. Informações e euforia se misturavam. Nada
era possível compreender. Mesmo assim, decidiu acompanhar o cortejo. Pegou um
cartaz que estava encostado em uma mureta e saiu pela avenida gritando tudo
aquilo que o engasgava há anos: corrupção, violência, pobreza, falta de médicos
e, até... a derrota do Timão.
Ao caminhar, entendia que ali havia
milhares de “Joões Clebersons”, desejosos de expor suas mazelas e dores.
Conseguia sentir o vento gelado de junho soprando na direção do futuro. Sua
chave no bolso, seu cartaz nas mãos, sua voz na multidão. O futuro parecia
promissor.
***
Algumas semanas se passavam. Maria
Aparecida acordava bem cedo, montava sua barraca de quitutes e ali permanecia
debaixo de sol ou chuva. Pouco vendia. A esperança que outrora sentira, aos
poucos, ia se esvaindo. Percebia que pouco (ou nada) havia mudado naquele
próspero e recém-nascido país. Os agravos continuavam, a indiferença
permanecia. Sua pele e sua condição de ex-escrava a denunciavam naquela
sociedade. Sua liberdade estava no papel, apenas no papel. E o sonho que ela
havia almejado para o novo país, parece também ter ficado apenas no papel.
Água, luz, telefone, internet. IPTU,
IPVA, ICMS. Mensalão, avião da FAB, deputado preso que não é cassado. Os sonhos
de inverno das manifestações de junho haviam passado. A vida de João Cleberson
não. Tudo parecia mais do mesmo, tudo parecia igual ao que sempre foi. A dureza
da vida, o dinheiro que acaba e o mês que sobra, a mão pesada do Estado... tudo
ainda fazia parte da vida de João. O cartaz que havia empunhado na passeata
ainda estava vivo em sua memória, mas os dizeres que ali continham parecem ter
se esfacelado com o tempo.
***
O que estas histórias nos ensinam?
O 7 de setembro de 1822 foi um marco
na história do Brasil. Assinava-se há 191 anos a separação política do Brasil.
O período de exploração portuguesa ficaria para trás. Mas, como os protestos de
junho deste ano, onde mais de 1 milhão de pessoas saíram às ruas exigindo o fim
de práticas políticas tão antigas quanto a história de nosso país, tratou-se
apenas de mais um marco histórico. Nada mais!
A liberdade comprada com sacrifício
por Maria Aparecida e o sonho realizado por João Cleberson são exemplos de
independências que buscamos todos os dias em nossas vidas. Quantas “Marias” e
quantos “Joões” sonham e lutam por proclamar seu “7 de setembro”?
A Independência de um povo só é
feita com muita luta, trabalho e suor. Se esperarmos por medidas
governamentais, “salvadores da pátria”, heróis nacionais, apenas encontraremos
o desânimo e a desesperança. Quem faz nossa independência somos nós, dia após
dia.
O Brasil de 2013 venceu muitos de
seus grandes desafios de 1822. Os sonhos de Maria Aparecida foram, em parte,
alcançados. Mas, suas desilusões continuaram, assim como continuam no coração
de João Cleberson. Nossa Independência, como país e como povo ainda precisa do
trabalho de muitas “Marias” e de muitos “Joões”, “brava gente brasileira”, como
está em nosso hino da Independência.
Portanto, que a esperança de
construir um país melhor, que povoou este torrão de terra em junho deste ano,
ou em setembro de 1822, nos inspire para arregaçarmos as mangas e trabalharmos
para realmente construirmos, dia após dia, a nossa real Independência! A
Independência dos brasileiros.
Glauco de Souza Santos
Professor de
História
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